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Resenha Colonialism: A Theoretical Overview (Princeton. N.J.: Markus Wiener Publishers, 2010, pp. 3-22.), Osterhammel, Jurgen.

Osterhammel é um historiador alemão Ph.D. em História Moderna pela  University of Kassel e seu foco de estudo tem sido nesta área  na temática do colonialismo. Na presente obra o autor promove o debate sobre a aplicação do conceito e aprofunda seu significado numa exposição esquemática do colonialismo como vários processos diferentes de expansão e dominação de grandes Impérios e principalmente na era moderna, sem deixar para trás as raízes do conceito estudado a seus exemplos na luz de sua construção.
Esta resenha se limita aos capítulos 1 e 2 da obra supracitada e pretende apresentar uma síntese do exposto pelo autor de inclusive outros trabalhos reconhecidos como The Transformation of the World: A Global History of the Nineteenth Century (Princeton, NJ: Princeton University Press , 201), Globalization: A Short History (with Niels P. Petersson, Princeton 2005)  e o Max Weber and His Contemporaries (edited, with Wolfgang J. Mommsen, London 1987), que permitiram notoriedade entre a comunidade acadêmica Internacional ao ponto de ser convidado à palestrar sobre um ponto de vista histórico da humanidade no aniversário  de 60 anos da chanceler alemã Ângela Merkel.
Assim como em qualquer atividade humana, nos estudos e nas ciências o uso de determinados tipos de ferramentas auxiliam não apenas no desempenho e na redução do tempo aplicado à tal atividade, mas também aprimora a qualidade do resultado final do que está sendo executado. Não é necessária muita coisa ou algo demasiadamente complexo, mas apenas algo que seja útil em sua aplicação, a estas tecnologias como um pano de prato para evitar queimaduras ao retirar um bolo do forno, por exemplo, quando se percebe sua utilidade torna-se parte de um procedimento padrão, até que se queime o pano no fogo aceso ou que o mesmo em contato com a massa à deforme ou a contamine , enfim perceba-se que usar outra tecnologia mais específica seja melhor recomendado como uma luva de proteção térmica. Estes procedimentos de uso de tecnologias adequadas para cada função também é aplicada em História, pois não é a toa que além da preocupação com a pesquisa investigativa do passado se faz necessária o uso de ferramenta como um modelo explicativo ou um conceito para organizar uma narrativa que consiga dar conta da conectividade entre as argumentações e as fontes investigadas. No entanto, o uso indiscriminado de tal ferramenta ao invés de auxiliar o historiador acaba prejudicando seu trabalho, pois o torna prolixo, complexo e esvazia o significado do conceito, tal qual exemplos como revolução, populismo, capitalismo e como os citados pelo autor: colonialismo e imperialismo.
Tais conceitos são definidos à margem de um projeto de narrativa explicativa que pretende determinar limites e explicar noções de tempo, espaço e comportamento, ou seja, dificilmente um conceito que explique determinada experiência histórica será capaz de abarcar uma experiência remota e com outros atores e processos sem que haja inferências de adaptação. Não é a toa que Osterhammel cita Finley, historiador especializado em estudos de civilizações antigas, como criador do conceito de colonialismo, colônia e imperialismo, pois o próprio Finley já questionava a utilização de tais conceitos para dar conta de processos históricos da era moderna.
O imperialismo, por exemplo, remete ao período de expansão romana no mare nostrum, o qual possui objetivos circunstanciais, mas com um detalhe que não pode faltar a um historiador que maneja bem sua ferramenta, o início do período expansionista se deu no momento em que Roma era ainda República, portanto o conceito deveria ser chamado republicanismo, não é verdade?! 
Para Osterhammel o ponto principal é apresentar uma visão geral do colonialismo partindo das ideias dos conceitos, confrontando o significado superficial do senso comum e se aprofundando na análise que se tenta enquadrar ao utilizá-lo. O primeiro conceito a ser discutido é o da colonização, sendo entendido como um processo de expansão territorial, o qual tem se apresentado ao longo da História das civilizações em todos os continentes, de acordo com o autor há pelo menos seis tipos:
• Grandes migrações totais - Tem como características a migração de povoados inteiros de um local para outro, tal população tem um perfil de caçadores, ou criadores de gado nômades, capazes de um estilo de vida móvel sem deixar nenhum tipo de estrutura social na retaguarda;
• Migrações individuais em massa - Neste modelo há uma massiva emigração de indivíduos, famílias e grupos motivados por fatores econômicos de seu país de origem para outro país, normalmente este tipo de migração ocorrem em áreas fronteiriças e se tornam irreversíveis, isto é,  a população se adapta a uma nova lei e cultura a tal ponto que não regressam ao país e origem, mesmo que tenha mantido lá familiares. Estes indivíduos normalmente se agrupam e formam colônias e fictícias conforme sua tradição cultural.
• Colonização de fronteiras; São processos de assentamentos que possuem dentre os objetivos o assentamento de populações em áreas de fronteiras, permitindo sua expansão frente a uma limitação de natureza selvagem, neste processo a sociedade nativa é subjugada ou extinta. Expansões que seguiram este modelo se utilizaram de ferramentas eugênicas para moldar a sociedade no estilo europeu. São os casos da América do Norte, Austrália, e Nova Zelândia; Neste modelo de expansão diante da natureza, da relação entre a sociedade alienígena e a nativa o autor propõe o entendimento de 3 submodelos expansionista: O modelo nova Inglaterra, o modelo Africano e o modelo Caribenho.

o Modelo nova Inglaterra – A expansão se dá por povoamento em substituição social e econômica da população nativa, assim as sociedades formadas por colonos tendem a ser autocrata e não tão dependente, nem da metrópole e nem da mão de obra nativa, pois o domínio de novas terras na expansão da fronteira selvagem se torna um instrumental capital e econômico;
o Modelo Africano – Nesta expansão os colonos são responsáveis pelo governo da colônia, conforme as regras da metrópole, no entanto, ao longo do processo estas regras sofrem vistas grossas. Há um uso intenso da violência com o objetivo de subjugar a nação nativa e impor suas leis e domínio. Neste modelo há uma dependência da mão de obra nativa;
o Modelo Caribenho – Há semelhanças com o modelo Africano, no entanto, há um acréscimo de outra população alienígena e subjugada mediante a necessidade de mão de obra na economia, normalmente do tipo plantation.
• Colonização com assentamentos ultramarinos; São expansões ultramarinas motivadas pela criação de uma rede de comércio onde os movimentos tendem a ser de cabotagem, os gregos e os fenícios são os primeiros povos a utilizarem tal processo no Mar mediterrâneo, posteriormente Portugal se utilizará do mesmo método para a criação de colônias do tipo plantation na costa africana; Neste método a relação com a população nativa também é de subjugo, para que se crie um modo de operação capaz de abastecer a metrópole;
• Impérios construídos por conquistas de guerras; O autor sugere a nomenclatura de clássica e ou romana para este tipo de expansão, pois os territórios anexados sobre conquista militar não são inteiramente ocupados por novos colonos, mas sim por uma população de caráter administrativo com o objetivo de manter o controle da metrópole e recolher os tributos;
• Construções de redes navais. Esta forma de expansão marítima envolve a construção sistemática de comércio protegido militarmente. Expansões deste tipo não permite que seja feito um processo de povoamento em terra ou significante anexação de territórios em larga escala por meios militares. Tem apenas o propósito de assegurar a hegemonia da metrópole no comércio regional e se mostrar presente militarmente, este tipo de expansão será utilizado no período moderno como uma demonstração de poder diante das relações políticas entre as nações;
Osterhammel categoriza as colônias em 3 tipos: Colônias de exploração, Colônias de entrepostos marítimos e colônias de povoamento, onde cada tipo de colônia pode ser resultante de vários tipos de expansões diferentes, mas o que a categoriza na verdade é a relação entre os colonos ou a sociedade da metrópole com a sociedade nativa ou subjugada. Para tal, o autor arrisca a seguinte definição:
“Uma colônia é uma nova organização política criada pela invasão (conquista e/ou colonização por povoamento), mas construído em condições pré-coloniais. Ou seja, regras alienígenas sustentam a dependência a uma metrópole remota geograficamente ou centro imperial, o qual reivindica direitos exclusivos de possessão da colônia”

Conforme sua definição, há alguns fatores que o autor detalha com mais ênfase ao longo do texto, como as condições pré-coloniais, quando há os primeiros contatos com a nação nativa, e o colonizador se apresenta de forma servil ou como parceiro para calcular o esforço do empreendimento e a reivindicação de direitos que pode se apresentar como monopólio do comércio de produtos e ou na taxação deste comércio e ou da produção da colônia.

Colonialismo
Uma das formas de explica-la é como o historiador Philip Curtin diz: “dominação de povos por uma outra cultura ”. No entanto, mais uma vez o autor contrapõe uma visão simplista do processo, de acordo com Osterhammel seria necessário uma definição que abordasse pelo menos mais 3 pontos: O Colonialismo não é apenas uma relação entre mestres e servos, mas um no qual uma sociedade é usurpada de sua linha de desenvolvimento histórico e manipulada externamente e transformada de acordo com as necessidades e interesses das regras coloniais, o segundo ponto tem haver com a relação entre os colonos e colonizadores, pois há modelos de tentativas de europeização de novas sociedades e também há modelos de encontros culturais que ultrapassam o bloqueio da hierarquia de raças e o terceiro ponto se dá pelo entendimento ou interpretação deste relacionamento apontado no segundo ponto, uma visão estrutural impediria o historiador de perceber, por exemplo, a noção ideológica que levava os grandes impérios ao caminho expansionista, tais como levar a cristandade aos pagãos, ou levar a civilização aos selvagens, de um modo geral a retórica missionária esteve presente em boa parte destas ideologias. Assim, segue a definição proposta pelo autor:
“Colonialismo é uma relacionamento de dominação entre uma maioridade indígena (ou força de trabalho importada) e um minora de invasores estrangeiros. As decisões fundamentais que afetam as vidas das pessoas colonizadassão feitas e implementadas pelo governo colonial que pressupõe frequentemente os interesses definidos por uma metrópole distante. Rejeitando um compromisso cultural com as populações colonizadas, assim os colonos são convencidos de sua própria superioridade através de seu comando ordenado pelo governo.”
Apesar do colonialismo ser um processo de relacionamento cultural, há situações em que o conceito de colonialismo não encontra congruência com o de colônia, por exemplo, há a existência de colônias sem colonialismo, por exemplo, quando a sociedade nativa é demograficamente incipiente, e há colonialismo sem colônias onde a relação não está entre uma metrópole e uma colônia, mas entre um centro dominante e suas periferias, como de uma colônia para a outra, como o caso de Angola que foi considerada durante um tempo subcolônia do Brasil.
Impérios Coloniais e Impérios informais
Neste tópico Osterhammel explicita as nuances do desdobramento das diferenças de definições da relação de colonialismo na compreensão de um período pós colonial. Para tal apresenta 3 quadros de relações entre nações:
• Governo Colonial (Império formal) – O governo nativo deixa de existir e dar lugar ao governo estrangeiro, estes estrangeiros ficam no centro poder econômico e administrativo da colônia, assim como todos os relacionamentos diplomáticos, ou seja, engloba todo o conceito de colônia e colonialismo;
• Semi controle Colonial (Imperio informal) – Neste quadro a ideia de centro de poder e periferia parecem ser mais dominantes, mas pode acontecer entre um ex-colonizador uma nação recém-emancipada, nesta relação o governo da nação emancipada ainda é bem frágil e conta com o apoio, principalmente na área econômico do “Big Brother”, este por sua vez estará presente através de recursos financeiros, militares e burocráticos como cônsules, diplomatas e residentes, podendo intervir para um melhor direcionamento das ações políticas do little brother.
• Sem Colonialismo (Influencia Determinante) – É uma relação entre nações igualmente independentes ou de corporações internacionais com outras nações, mas de forma desigual onde um lado possui superioridade econômica diante do outro, o qual diante de suas relações possibilita espaço para influências, inclusive de caráter político. “É um caso típico de relação paternalista da assimetria internacional do mundo pós-colonial”.
Imperialismo
Uma vez exposto à noção do conceito de colonialismo, colônia e dos desdobramentos de suas relações, o autor acrescenta no círculo de relações que estes conceitos enquadram, mais um de forma abrangente o imperialismo. Segundo o autor, o imperialismo seria um processo de dominação de um sistema mundial através da lógica de um império transcolonial, onde o governo do império colonial fosse capaz, através de suas colônias ou zonas de influências implementar seu domínio diante de um sistema anárquico internacional. Como principais participantes deste jogo de forças mundiais estariam os Estados Unidos, a Grã Bretanha e em menor escala o Japão , este último esboçou poucas pretensões mundiais, mas apenas domínios internacionais. Assim, o colonialismo e o imperialismo não seria a mesma coisa, mas sim processos de dominação que possuem objetivos diferentes, regionais e mundiais, onde o imperialismo, em sua lógica, lançaria mão de métodos de colonialismo para alcançar suas estratégias.

Conclusão
O historiador Osterhammel utiliza mais um campo de seu interesse, a metodologia histórica para cadenciar a apresentação de seus estudos, pois a sua crítica à superficialidade do entendimento dos conceitos não são de caráter didáticos, mas sim de pesquisa, para situar o leitor nas especificidades do tema. No entanto, ao longo de sua exposição das complexidades de conceitos, arrisca-se na suplementação destes gerando em alguns momentos exceções de regras. Além disso, em vários momentos seus conceitos não permite uma lógica linear com referência, isto é, ora o conceito é montado através do método de invasão, ora através da relação do intercâmbio, ora através dos interesses da metrópole, o que cria situações em que o povo norte americano é colono inglês em solo americano ou colonizador americano em terras indígenas.
Apesar de ser uma ciência, a História não pretende criar métodos explicativos que alcancem todos os pormenores de um fato histórico, no entanto os esforços de Osterhammel em alguns momentos caminham para tal. Assim a forma como enquadra a experiência do Império britânico na Índia em vários conceitos construídos, permite ao leitor compreender que o autor possui um entendimento da história como um processo, noção que permite a capacidade de uma narrativa que encontre um aspecto mais abrangente e global, ao que parece o autor navega em águas de uma Grande História do mundo, pelo menos no período moderno, mas diferente dos estudos etnocêntricos do século XIX, seu posicionamento relativista (pelo menos no viéis antropológico) lhe dá instrumentos de percepção de outras variáveis diferentes das utilizadas pelo estruturalismo.

Bibliogafia
Informação sobre a apresentação do historiador retirada de reportagem online do Jornal O Globo, disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/no-auge-angela-merkel-completa-60-anos-em-meio-rumores-de-renuncia-13284438;
Ostherramel, Jurgen. Colonialism: A Theoretical Overview. Princeton. N.J.: Markus Wiener Publishers, 2010, pp. 3-22.


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